terça-feira, janeiro 23, 2007

Apocalypto!

Apocalypto é, antes de tudo, um filme sobre o Homem. Mais concretamente, sobre a experiência do humano. “Existe dentro do homem uma fossa que nada no mundo pode preencher”, diz o velho sábio índio, quando a aldeia se reune à noite à volta da fogueira. Esta frase resume todo o drama humano: não há nada que corresponda totalmente ao homem.

Nessa cena, onde cada guerreiro se encontra junto da sua família, podemos ver a solidão nos olhos de cada pessoa. Não uma solidão física, mas uma solidão proveniente da consciência que nenhum daqueles que ali se encontram, nem a mulher, nem os filhos, nem os amigos, pode preencher aquela fossa. A solidão que cada homem, desde o índio perdido da América Central, até a o Europeu do séc. XXI, experimenta se levar a sério o seu coração.

Este é o primeiro momento em que se destaca Pata de Jaguar, o protagonista do filme. Tambem ele fica com um ar solitário, vago, perdido, até que a mulher lhe diz “volta para mim”. Aqui podemos perceber como é que, mesmo com a consciência da aparente inutilidade do outro, nasce a comunidade. Nós temos a mesma dor, nós temos o mesmo drama, tu és igual a mim, por isso não posso deixar de me identificar contigo, de te ajudar a percorrer o caminho.

Na madrugada que se sucede a esta cena, a aldeia é atacada. Um grupo de guerreiros maias invade silenciosamente a aldeia, mata quem lhes resiste e captura os que pode. No caos do combate, Pata de Jaguar consegue esconder a mulher e o filho na cisterna da aldeia, mas é capturado quando volta para junto dos amigos para a defender. Nesse momento desenrola-se a segunda grande cena do filme. Durante a luta, Pata de Jaguar quase mata um dos “oficiais” maia, que é salvo pelo comandante da horda. Para se vingar de Pata de Jaguar, o oficial mata o pai deste, Pedra de Céu, que morre a dizer “Meu filho... não tenhas medo!”. Já antes Pedra Céu tinha dito ao filho “Eu não te eduquei para teres medo”. Aqui percebemo o que é autoridade: é quando reconhecemos noutro uma humanidade maior do que a nossa. Que um homem diga com um sorriso, quando tem uma faca apontada ao pescoço, “não tenhas medo” é porque percebe que há algo maior do que a vida, algo que aqueles homens não lhe podem tirar. E este juízo é mais verdadeiro sobre a minha vida do que qualquer outro que eu possa fazer, por isso o mais razoável é seguir um homem assim.

Depois do ataque entramos na parte principal do filme: a fuga de Pata de Jaguar, para salvar a mulher e o filho. Enquanto toda a aldeia se entrega ao desespero de se encontrar escravizada, coisa justa, pois o seu mundo tinha sido destruído, Pata de Jaguar não se deixa esmagar pela circunstância. Para ele só há uma certeza: tem que salvar a mulher e o filho. Não faz um cálculo das probabilidades, para ver se consegue fugir, limita-se a fazer o que tem que fazer em cada momento para voltar à aldeia. Esta é a sua grandeza: não tem medo das circunstâncias, pois não é definido por ela. A certo ponto, ele grita aos seus perseguidores: “Eu sou Pata de Jaguar, filho de Pedra Céu. O meu pai caçou nesta selva antes de mim. Eu sou Pata de Jaguar. Eu sou caçador. Esta é a minha floresta e nela caçarão os meu filhos, com os seus filhos, depois de eu partir”. Isto é quem ele é e isto os seus inimigos não lhe podem tirar.

Por fim, ao cabo de dois dias de perseguição, depois de ter eliminado oito inimigos, de já ter passado pela aldeia, tudo parece estar perdido na mesma. Ele está ferido, sem forças e não tem mais sitio para fugir, pois à sua frente estende-se o Oceano. A mulher está no fundo da cisterna a afogar-se com a agua da chuva. Nesse momento, em que nenhum esforço seu o poderá salvar, chegam os Espanhois, com as velas desfraldadas, exibindo a Cruz. E assim ele é salvo.

O grande Papa João Paulo II, citando São Bento, dizia “É preciso que o heróico se torne quotidiano, para que o quotidiano se torne heróico”. Esta é a grandeza deste filme!

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